Aids 2016/Balanço:
Tom mais politizado e investimento nas populações-chave estão entre os destaques enumerados pelos participantes da 21ª Conferência Internacional de Aids
Durante os cinco dias em que aconteceu em Durban (África do Sul) a 21ª Conferência Internacional de Aids, cerca de 15 mil pessoas morreram no mundo. Foi o que disse na cerimônia de encerramento do evento, nesta sexta-feira (22), a nova presidente do IAS (International Aids Society), a sul-africana Linda Gall-Becker. No palco, ela recebeu o cargo de Chris Beyrer, primeiro gay assumido a presidir o IAS.
“Precisamos nos unir para que 2016 seja lembrado como o início da era da PrEP (profilaxia pré-exposição)”, disse Beyrer, referindo-se ao medicamento que previne HIV e deve ser aprovado no Brasil até o fim de 2016.
A cerimônia começou com um protesto. Representando os profissionais do sexo, ativistas abriram guarda-chuvas vermelhos, símbolo da categoria. “A criminalização afeta nossos direitos humanos e em saúde e as pesquisas comprovam que aumenta nossas chances de adquirir HIV. Queremos que vocês nos ajudem”, discursou uma das ativistas.
A ucraniana Svitlana Moroz, da Rede Eurasiana de Mulheres sobre Aids, também se manifestou. “Como sociedade civil, queremos chamar a atenção de vocês para a situação catastrófica do Leste Europeu e da Ásia Central, duas únicas regiões onde as novas infecções e mortes ainda crescem”. Moroz se posicionou contra a criminalização das pessoas com HIV e dos grupos afetados: “A criminalização está nos matando, nos afasta do tratamento.”
A cientista social sul-africana Olive Shisana, co-presidente da conferência concordou. “Para revigorar a resposta ao HIV, precisamos de um movimento de justiça social similar ao movimento global anti-apartheid. Precisamos lutar contra a criminalização das populações afetadas, e isso não ocorrerará sem ativismo.” E pediu para a plateia aplaudir os ativistas.
“Nós, as transgênero, estivemos representadas nessa conferência, e consolidamos parcerias. Eu desafio todos vocês a lutarem por aqueles que são empurrados para as margens da sociedade. Não podemos ignorar o sofrimento das LGBT, especialmente as mulheres trans, que têm 49 vezes mais chance de ter HIV”, falou a ativista trans sul-africana Duncan Moeketse, do Global Network of Young People Living with HIV (Y+).
A conferência reforçou o comprometimento com os direitos das mulheres e população LGBT, refletindo a composição da presidência do evento, compartilhada entre Beyrer, um homem gay, e Shisana, uma mulher negra sul-africana.
No fim da cerimônia de encerramento, um vídeo convidou a todos para a próxima conferência internacional, que será realizada em 2018 em Amsterdã. O vídeo mencionou aspectos da Holanda que a destacam na resposta ao HIV: respeito aos direitos humanos, participação comunitária e um nível relativamente baixo de estigma em relação ao HIV.
Repercussão
A Agência de Notícias da Aids ouviu gestores e ativistas de vários países que estiveram entre os cerca de 15 mil participantes da 21ª Conferência Internacional de Aids. Veja o que eles disseram:
Adele Benzaken, diretora do Departamento de HIV, Aids e Hepatites Virais do Brasil: “Discutimos grandes temas, como a estratégia 90-90-90, da qual o Brasil foi o primeiro país a adotar algumas diretrizes. Vamos dar ênfase nas populações-chave e como trabalhar com jovens HSH. Talvez tenhamos novos instrumentos para passar a mensagem de prevenção e pensar o que não funciona. Os jovens estão ligados em tecnologias. O mundo precisa modernizar as estratégias de prevenção combinada para conversar com eles.”
Américo Nunes, do Mopaids e do Instituto Vida Nova, São Paulo: “Comparando com a conferência da Austrália, em 2014, houve uma politização dos ativistas sul-africanos – notei isso em tudo que participei. O investimento no protagonismo da juventude ficou muito forte. Há um grande investimento financeiro na África com fomento para as ações se tornarem políticas públicas. Aconteceram muitas manifestações pedindo acesso a tratamentos e mais qualidade de remédios, as profissionais do sexo tiveram uma grande oportunidade de se expressarem, ficaram muito claras as questões da implementação da PrEP (profilaxia pré-exposição). A crise financeira foi apresentada com veemência, assim como estudos científicos para populações- chave. Senti falta de trabalhos sobre lipodistrofia. E ficou uma interrogação grande sobre como nós vamos enfrentar o estigma e o preconceito.”
Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa de DST/Aids do Estado de São Paulo: “ Gostei, tivemos ótimas discussões. O conceito de vulnerabilidade voltou com força total desde a mesa de abertura. A conferência nos deixa com grande expectativa em relação à implantação da PrEp. O desrespeito aos direitos humanos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero em diferentes regiões do planeta segue inadmissível.”
Kwandiswa Mdletshe, voluntária na conferência, da África do Sul: “Tive a oportunidade de conhecer gente do mundo inteiro. Vi que as pessoas com aids têm apoio, suporte, mas precisam de mais ações assim.”
Laylla Monteiro, educadora comunitária, Rio de Janeiro: “Foi minha primeira conferência. Adorei ver e acompanhar que as trans tiveram um espaço maior. Nos incluir na pauta ajuda a quebrar a invisibilidade, pois passam a nos olhar e nos considerar em pesquisas.”
Janet Bhila, ativista do Zimbabue: “Gostei muito. Percebi um envolvimento maior dos jovens. É importante chamá-los para auxiliar no planejamento e na implantação de ações multifacetadas de prevenção.”
Josias Freitas, coordenador de recrutamento e retenção do laboratório de DST/Aids da Fiocruz, Rio de Janeiro: “Estou estreando em conferência de aids. Uma oportunidade única, maravilhosa. Penso que os governos deveriam investir mais nos profissionais que estão na ponta, para que tenham uma bagagem melhor e mais vontade de trabalhar.”
Jurandir Telles Silva , da associação Musas de Castro Alves, Bahia: “Foi minha primeira participação em uma conferência internacional. Espero que todos levem as experiências que aqui ouvimos aos seus pares. Muitas das inovações e discussões, nós já temos no Brasil, como o testar e tratar. Fora isso, foi muito importante e enriquecedor conhecer e vivenciar outras culturas.”
Rubens Duda , do Programa Municipal de DST/Aids, de São Paulo: “Espero que os projetos que acompanhamos aqui sejam incorporados e transformados em políticas públicas. Senti uma autonomia maior dos militantes africanos.”
Futha Muzunze, ativista, África do Sul: “ A conferência foi muito boa, mas cara, o que impediu que mais pessoas pudessem participar. É preciso pensar mais na cura do que em negócios que são produzidos aqui pelos interessados em negociar com a saúde de todos.”
Heliana de Moura, das Cidadãs PositHIVas, Belo Horizonte: “O termo vulnerabilidade esteve muito presente. A questão de gênero, quando falamos de preconceito em relação ao machismo e à misoginia, está presente em várias partes do mundo. No Brasil, África do Sul, Quênia… Percebi esta similaridade aqui.”
Moysés Toniolo, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e representante do movimento de aids no Conselho Nacional de Saúde, Bahia: “Muito esclarecedor repensar o que era considerado antigo na cultura de prevenção. Muitas ações que considerávamos ultrapassadas ainda são necessárias em outras partes do mundo. Por exemplo, a promoção de preservativos, a utilização do exame de CD4 — questões relacionadas ao cuidado são presentes e atuais em muitos países.”
Fábio Mesquita, ex-diretor do Departamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais do Brasil: “ O congresso foi excelente para atualizar informações. Considero destaques importantes as questões relacionadas a discriminação e direitos e às inovações tecnológicas, como a PrEp e outras.”
Monica Malta, pesquisadora da Fiocruz, Rio de Janeiro: “Acompanhei muitas mesas coordenadas por trans. Considero esta abertura de espaço para além do Global Village um ponto positivo.”
Adriana Bertini, artista, ativista, Sao Paulo: “Busquei mais projetos de prevenção feitos com preservativos. Além de meu trabalho, vi apenas o Condommize. Seria importante promover mais o uso do preservativo para que a adesão a este insumo e a mudanca de comportamento aconteçam.”
Jesus Guillen, ativista de São Francisco, Califórnia (EUA): “Eu, primeiro, quero dizer que me sinto muito agradecido por poder estar aqui e acompanhar este encontro. Vivo com aids há 30 anos. Minha crítica é de que não vi nenhuma mesa de pessoas vivendo com a doença há muito tempo. Se não obervarmos o passado, não ajudaremos a construir um futuro melhor.”
Tânia Corrêa, do CRT (Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo): “Foi difícil chegar [leia matéria sobre a dificuldade], mas valeu a pena. É a minha segunda conferência. Relevante acompanhar como outros países lidam com os desafios da aids. Vimos que nós, no Brasil, em São Paulo, estamos caminhando bem. Mas existem sempre desafios em comum e questões que temos de trabalhar melhor. A vinculacão após o diagnóstico, a garantia de retenção no serviço e tratamento.”
Ricardo Martins, psicólogo do CRT, São Paulo: “Foi fundamental pensar sobre as populações-chave, as novas estratégias para alcançá-las, de fato, e para reduzir de vez a expansão de novos casos. [leia mais]”
Kate Alexander, ativista do Canadá: “Foi uma ótima experiência global porque tivemos a oportunidade de encontrarativistas do mundo todo e trocar muita experiência.”
Nereu Mansano, assistente técnico do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, de Brasília: “Gostei bastante de participar. O nível foi excelente e pude observer a dimensão dos avanços no combate à pandemia. Temos muito o que caminhar em termos de mundo, retomar a estratégia de prevenção e manter a prevenção combinada de verdade.”
Diego Callisto, assistente técnico do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais: “Faltaram mais discussões sobre a população HSH e gays nas sessões oficiais. Fiz um roteiro e não identifiquei tanta coisa. Diversos aspectos fizeram parte das sessões de juventude e, consequentemente, a construção de estratégias para jovens e adolescentes que têm vulnerabilidades distintas.”
Shamilah Batte, ativista, da Uganda: “ Foi uma excelente oportunidade de encontrar pessoas e novas ideias diferentes para, juntos, enfrentarmos a aids.”
Laurel Sprague, da ONG HIV Justice Network e representante da sociedade civil da América do Norte na Junta Coordenadora do Programa (PCB, em inglês), do Unaids, EUA: “Eu estive trabalhando e não tive muita oportunidade de sentir o clima geral. Mas fiquei satisfeita com reuniões que fizemos com ativistas internacionais, em que foram discutidas táticas de militância. Mas o que ouvi de outros participantes foram queixas sobre o clima otimista, de comemorar os avanços, quando ainda temos metade das pessoas com HIV no mundo sem tratamento. Tem muita gente por aí perdendo mãe, perdendo filhos, perdendo parceiros.”
Carlos Garcia de Leon, do MSMGF Fórum Global de Homens que Fazem Sexo com Homens: “Senti falta de uma maior mobilização da sociedade civil e de representação latino-americana.”
Sergio López, da ONG GayLatino, do Paraguai: “Estamos em um momento de articulação de organização da sociedade civil LGBT da América Latina e comunidades latinas em outras partes, para o que contribuiu a mobilização em torno da Reunião de Alto Nível sobre HIV/aids das Nações Unidas. Mas não vi o reflexo desta articulação aqui.”
George Ayala, MSMGF, Califórnia (EUA): “A discussão sobre populações-chave teve destaque nessa conferência, e estivemos representados e articulados aqui. Hoje mais cedo, tivemos a oportunidade de discutir as consequências da exclusão das populações-chave na de declaração da Reunião de Alto Nível sobre HIV/aids das Nações Unidas, que dá permissão aos governos para nos ignorarem em seus planos, inclusive no financiamento.”
Matías Muñoz, Red Argentina de Jóvenes e Adolescentes Positivos (RAJAP): “É a primeira vez que venho e foi uma ótima experiência. Mas senti certa falta de compromisso dos participantes. Essa plenária final está esvaziada”
Denise Rinehart, assessora técnica do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Brasília: “Foi marcante a fala da Cherlize Theron sobre desigualdade. Percebo que essa discussão está enfraquecida no SUS, que é um espaço privilegiado para esse debate ocorrer.”
Cleiton Euzébio de Lima, do Unaids Brasil: “Nessa conferência, falamos dos avanços que tivemos mas também demos destaque aos enormes desafios que ainda temos por enfrentar.”
Henrique Contreiras, colaborador da Agência de Notícias da Aids, de Durban. Com depoimentos a Henrique Contreiras e Roseli Tardelli
A Agência de Notícias da Aids cobre a 21ª Conferência Internacional de Aids, em Durban (África do Sul), com apoio do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, da DKT do Brasil e da Jansen Farmacêutica.