Técnicos são impedidos de ir à reunião sobre Aids, diz ex-diretor da Saúde

Técnicos são impedidos de ir à reunião sobre Aids, diz ex-diretor da Saúde

  • Valter Campanato/Agência Brasil

    O diretor da área de DST do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, pediu demissão do governo Temer

    O diretor da área de DST do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, pediu demissão do governo Temer

O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde Fábio Mesquita foi mais um do alto escalão do Ministério da Saúde a pedir demissão com a posse do novo governo interino e do ministro Ricardo Barros. Segundo ele, após três anos de trabalho na pasta, agora o SUS (Sistema Único de Saúde) está sob ataque e este é o “primeiro ministro a pedir menos recursos para a Saúde”. Além disso, ele acusa o novo ministro de enviar políticos e não técnicos para um encontro sobre Aids, em Genebra.

Pelo menos cinco outros nomes de postos-chave do ministério deixaram seus cargos desde que o novo ministro assumiu: o coordenador do Programa Nacional de Controle de Dengue, Giovanini Coelho; o diretor de Doenças Transmissíveis, Cláudio Maierovitch; além do secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame; o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Eduardo Costa; e o secretário da Gestão do Trabalho e da Educação, Heider Pinto.

Mesquita diz que mesmo após 20 dias das demissões, ninguém foi colocado no comando das pastas: “A gente está acéfalo de direção. Hoje tem duas autoridades nomeadas do novo governo no Ministério da Saúde, o ministro e o secretário executivo. São seis secretarias, nenhuma delas está ocupada com as novas nomeações e são vários departamentos e também não saiu nenhuma nomeação”.

Formado em medicina em 1982, Mesquita atuou por seis anos na OMS (Organização Mundial da Saúde) e a seguir explica os motivos de seu pedido de saída do cargo e das ameaças para a saúde que ele considera em curso.

UOL: Qual foi o estopim para seu pedido de saída do governo?
Mesquita: Foram dois episódios. O primeiro foi da Assembleia Mundial da Saúde da OMS. O Brasil tem uma tradição de participar de todas com uma delegação de técnicos. Neste ano, a pauta eram três estratégias quinquenais do nosso departamento: DST, Hepatites virais e Aids. Não fui incluído na delegação e, sem discutir a estrutura hierárquica do ministério, convidaram direto um técnico do departamento que responde por hepatites virais. As outras duas áreas ficaram descobertas do ponto de vista técnico. Além disso, pela primeira vez a comissão teve dois senadores, três deputados federais e a vice-governadora do Paraná [mulher de Ricardo Barros]. Antes, éramos a maioria técnicos e em menor número do que essa comissão que foi levada, e nos disseram que não poderíamos ir devido à crise econômica.

Na sequência, todos do departamento foram proibidos de ir a um evento importante da UNAIDS, de 8 a 10 de junho em Nova York. Em 30 anos de história do departamento a gente nunca deixou de participar de eventos desse porte. A gente não vai nos eventos para passear, nós somos referência no tratamento de Aids. Se nas duas primeiras semanas eu estou sendo tratado desse jeito, o que que eu estou fazendo aqui?

UOL: Poderia citar algumas dessas conquistas do Brasil que têm peso mundial?
Mesquita: A questão dos genéricos para o tratamento da Aids foi uma vitória que todo mundo reconhece como do Brasil. O último relatório da OMS traz 17 milhões de pessoas tomando retrovirais, isso teria sido impossível sem medicamento genérico. Em dezembro de 2013, fomos o primeiro país em desenvolvimento do mundo que resolveu tratar todo mundo que era testado HIV positivo independentemente da resposta imune estar afetada. Só em dezembro de 2015 a OMS mudou o protocolo para o mundo inteiro usando o Brasil como exemplo.

O respeito lá fora não é por uma pessoa, por um diretor, é o respeito ao Brasil. É isso que eu acho que essa administração ainda não entendeu. O Brasil é reconhecido no mundo inteiro como sendo o país que propôs [prevenção e diagnóstico de hepatite B e C]. E hoje tem um programa global de hepatites na OMS.

Essas coisas não são conquistas pessoais, são conquistas do SUS, são conquistas do modelo de saúde que a gente sempre defendeu, que tinha que ter acesso, que tinha que ter o de mais moderno, que tinha que funcionar etc.

A gente sabe que o SUS não é perfeito, que tem um monte de problemas ainda para resolver. Mas não é ignorando o SUS ou extinguindo o SUS ou diminuindo a capacidade do SUS que você vai resolver. É aprimorando, buscando melhorar, porque é um sistema muito interessante.

Como trabalhei na OMS muito tempo, conheci o sistema de saúde de vários países do mundo, o Brasil tem um sistema que é muito respeitado, mas que está sob ataque neste momento.

UOL: A que ataques se refere?
Mesquita: Dois ataques estão bem evidentes: um ataque vem do Ministério da Fazenda, e fala de uma PEC que desvincula os recursos da saúde e da educaçãoque são constitucionais. Assim União, Estados e municípios não são mais obrigados a investir aquele mínimo previsto. Saúde e Educação vão ser tratadas como qualquer área, sendo que são estratégicas em qualquer país do mundo. O segundo veio do próprio ministro.

Eu trabalho com saúde e com SUS desde 1982, antes da Constituição. Nunca aconteceu de um ministro chegar aqui dizendo que queria menos recurso para a saúde. Acontecia exatamente o contrário.

O exemplo mais simbólico é o do Serra. Ele era ministro do Planejamento antes de se tornar ministro da Saúde. No Planejamento ele era um chato com a Saúde, regulava os recursos. Quando ele chegou aqui e entendeu esse papel, ele foi um dos caras que mais lutou por recursos. Esse ministro chega dizendo assim: o SUS tem um tamanho maior do que é capaz e nós precisamos diminuir os recursos do SUS e nós precisamos estimular as pessoas a fazer planos de saúde porque aí diminui o número de pessoas que o SUS tem que tratar. Ele falou isso em vários episódios no início. Depois, levou puxada de orelha do Temer e mudou um pouco do discurso.

UOL: Houve alguma ação concreta para reduzir o SUS?
Mesquita: Setores conservadores da categoria já se reuniram com o ministro pedindo para cortar todos os médicos cubanos. Se você perguntar para a população que está sendo atendida o que eles acham dos médicos cubanos, que estão em lugares que ninguém quer ir. Quando pedi exoneração, fui procurar emprego e no dia seguinte tinha uma oferta para ganhar praticamente o dobro que ganho aqui. Não teve nenhum impacto na profissão o fato de ter vindo mais médicos, porque eles foram para lugares que ninguém ia. Ao contrário, salvou uma parte da população que nunca teve médico.

Outra questão que chama atenção: o diretor de Vigilância que cuida de zika, chikungunya, dengue e H1N1 ainda não foi nomeado 20 dias depois. O diretor do departamento específico que cuida disso pediu exoneração e até agora não foi nomeada uma pessoa no lugar dele. 20 dias depois, a gente está acéfalo de direção. Hoje tem duas autoridades nomeadas do novo governo no Ministério da Saúde, o ministro e o secretário executivo. São seis secretarias, nenhuma delas está ocupada com as novas nomeações e são vários departamentos e também não saiu nenhuma nomeação.

UOL: Na sua avaliação, qual é o prejuízo dessa demora para o país?
Mesquita: Os técnicos estão tocando o que já estava decidido, mas não tem ninguém decidindo coisas novas, atividades diferentes, o que vai fazer especificamente na Olimpíada do Rio, o que vai fazer especificamente com H1N1. Acabou a campanha de vacina, quem está avaliando se foi boa ou não foi, precisa estender, não tem quem faça isso porque não tem direção. Pode impactar, por exemplo, os Jogos Olímpicos, mas pode impactar outras coisas.

UOL: Mais gente pretende sair?
Mesquita: É difícil de mensurar, porque existem pessoas que eles estão tirando, e pessoas que estão pedindo para sair. Eles estão com uma dificuldade enorme de recrutar gente porque o ministro deu muitas declarações estranhas.

Resposta do Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde esclarece que, durante a Assembleia Mundial de Saúde da Organização Mundial da Saúde – que ocorreu em Genebra, nos dias 23 e 24 de maio -, o ministro Ricardo Barros participou de três encontros em que foram tratados temas sobre Aids e Hepatites Virais. Vale ressaltar que, na reunião de alto nível, o ministro já anunciou que o Brasil estará representado no Encontro das Nações Unidas que vai acontecer em Nova York nos dias 8 a 10 de junho.

Sobre as nomeações de secretários e diretores, o Ministério da Saúde esclarece que todos os projetos e ações estão sendo executados com o corpo técnico da pasta, que tem a memória de todo o trabalho, não havendo, portanto, prejuízo ao andamento dessas ações.

http://noticias.uol.com.br/

Autor:

O Grupo Assistencial SOS VIDA nasceu legalmente em 28 de março de 1998 com o proposito de oferecer apoio e assistência a portadores do vírus HIV/AIDS. Após um ano, Padre Quinha pediu ao fundador que começasse a trabalhar também com Dependência Química. Passados dezesseis anos os atendimentos vão além destas duas patologias, a busca por diversos motivos fez com que a instituição abrisse o leque de atuação – Ir de Encontro com a Necessidade de Quem Nos Procura – que, em sua grande maioria, são pessoas de baixa renda. Os assistidos contam ainda, além dos atendimentos na sede da instituição, com o amparo de profissionais de saúde que atendem gratuitamente em seus consultórios e clínicas.

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